Farol de Mosqueiro

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sábado, 20 de dezembro de 2014

As possibilidades do Ecoturismo em Mosqueiro

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Considerando a importância de diversificar a economia local sem descartar a necessidade imperiosa da preservação dos ambientes naturais, o Blog Mosqueiro Pará Brasil resolve divulgar o texto abaixo considerando-o atual. Ele foi elaborado por mim e apresentado no Painel “Ecoturismo e Unidades de Conservação” do Seminário “O Empreendedor de Ecoturismo” que se realizou no período de 05 a 07 de dezembro de 2002 no Belém Hilton.



O Ecoturismo como indutor de desenvolvimento local Sustentável
para a Ilha do Mosqueiro, Belém / PA

Eduardo Brandão


1.      Introdução

                  O sentimento que envolve e encanta a quem conhece a Ilha do Mosqueiro, também conhecida como a “Bucólica”, está relacionado a um tipo de experiência existencial que remete a algo pertencente à natureza ou à vida natural. Segundo Molina (2001) vem sendo cada vez maior a demanda de um segmento interessado em espaços naturais e culturais de grande qualidade, autenticidade e segurança. Mas que, primordialmente, preserva uma relação harmoniosa entre a natureza, os turistas, e as comunidades ditas tradicionais. Neste contexto é que podemos definir o Ecoturismo.

A ilha do Mosqueiro atravessou o século XX, passando por um processo que transformou o seu litoral oeste da condição de vila de pescadores, extrativistas e artesãos, em um espaço turístico bastante procurado, especialmente suas belas praias de rio voltadas para as baías do Guajará e do Marajó.

Em uma fase inicial, o turismo em Mosqueiro caracterizou-se pelo veraneio, pela descoberta da natureza e das comunidades receptoras, numa busca repetida pelo lazer e o descanso. Apesar de não haver a preocupação ambientalista, as limitações dos equipamentos instalados não determinaram grande impacto sobre o meio ambiente. Os Chalés construídos durante esse período, em sua orla, representam raros exemplares arquitetônicos pelo fato de seus construtores terem associado, com muita competência, estilos europeus com a realidade climática da região.

A segunda fase, decorrente da construção da estrada e da ponte sobre o furo das Marinhas, atingiu seu apogeu entre os anos 70 e 80, caracterizou-se pelo turismo de massa determinando o aumento da demanda, a saturação de locais turísticos e a forte especulação imobiliária. Foi uma fase de excessos, onde cresceram as pressões antrópicas sobre o meio ambiente.

Diante deste cenário, surgem questões que precisam ser respondidas. Será o turismo essa “indústria sem chaminés” que tantos divulgam? Será possível inverter a tendência onde o sistema turístico encaminha-se para o desmoronamento, emergindo sob um novo estado de ordem, desta vez inferior? Será possível compatibilizar as necessidades de um desenvolvimento turístico diferente com a melhoria nas condições de vida humana, sem ultrapassar a capacidade dos meios naturais que a mantém? O presente trabalho tem como objetivo promover algumas reflexões sobre o Ecoturismo na Amazônia, enquanto alternativa adequada para promover o desenvolvimento local sustentável na Ilha de Mosqueiro e no estuário amazônico.


2.      Mosqueiro, a Grande Ilha do Arquipélago de Belém.

Belém, capital do Estado do Pará, também conhecida como a metrópole da Amazônia, foi fundada por colonizadores portugueses, em 1616. Localizada entre os rios Pará e Guamá, em pleno estuário do Rio Amazonas, possui, atualmente, uma população de 1.281.279 habitantes (IBGE, 2000). Com um clima característico de Floresta Tropical Úmida, apresenta uma temperatura média de 25ºC, umidade relativa de 85% e 2800 mm/ano de precipitação pluviométrica. Seu território é de 50.580 ha e está distribuído em uma região continental, cuja área equivale a 34,36% do total, apresentando elevada densidade demográfica; e uma região insular, composta por 43 ilhas, representando 65,64% do território que abriga 54.052 habitantes. As principais ilhas são Mosqueiro, Caratateua, Cotijuba e Combu. O município de Belém possuí seis (6) Unidades de Conservação criadas por decreto, o que representa 21,74% da área total do município, e outras 6 projetadas.

Administrativamente, a ilha do Mosqueiro integrou, inicialmente, o território da freguesia de Benfica. Em 6 de julho de 1895, passou para a condição de Vila de Belém e em 1901 para condição de Distrito. Com os seus 17.000 ha, é a maior ilha das 13 ilhas que compõem o distrito Administrativo do Mosqueiro que totaliza 21.000 ha. Seu território apresenta 15% de área urbana e uma população de 27.777 habitantes.

Mosqueiro é limitada a oeste pelo Rio Pará e pela Baía do Guajará, ao sul pela Baía de Santo Antônio, ao Norte pela Baía do Sol e a Leste pelo Furo das Marinhas que separa a ilha do continente. Em seu território encontramos: vegetação de floresta densa, vegetação de floresta secundária e vegetação de várzea. A Ilha abriga duas (2) Unidades de Conservação: o Parque Municipal da Ilha do Mosqueiro com 190 ha e a Estação Ecológica do Furo das Marinhas, que está em fase de estudos técnicos sendo composta por 10 ilhas, totalizando 380 ha. O ponto mais alto é de 25m. O acesso para Mosqueiro pode ser fluvial ou terrestre, no segundo caso, temos a ligação feita através das rodovias BR316 e PA291 o que representa 77 Km do centro de Belém. A travessia do continente para a ilha é feita através de ponte em concreto sobre o furo das marinhas.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

O Parque Municipal da Ilha do Mosqueiro foi criado pelo Decreto 26.138 da Prefeitura Municipal de Belém, de 11 de novembro de 1993, possui uma localização privilegiada, limitado pelo igarapé Tamanduá, pelo rio Murubira e por uma linha seca de demarcação. Foi criado com finalidades e objetivos de garantir a preservação de importante área de mata nativa, refúgio da fauna silvestre, tangida por uma  frente de ocupação urbana e uma zona rural. Em 1995, a administração do Parque passa para a Fundação Parques e Áreas Verdes do Município de Belém – FUNVERDE.

O Parque apresenta significativo quadro de espécies faunísticas, dentre as quais, destaca-se: a preguiça, o macaco sagui, o boto tucuxi, o porco espinho, a paca, o urubu-de-cabeça-vermelha, o gaviãozinho, o picapau, a cobra-cipó, a sucuri, a jararaca, a cobra-de-duas-cabeças, a pescada branca, o camarão, a piranha, dentre outras. MASCARENHAS (1996), registrou a ocorrência de 29 espécies de mamíferos, 35 espécies de aves, 05 espécies de lagarto, 08 espécies de serpente, 09 espécies de anfíbio e 59 famílias de artrópodes para o local.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Quanto aos ecossistemas vegetais encontra-se a vegetação de várzea, vegetação de floresta densa e a vegetação secundária. Deve-se ressaltar a diversidade de espécies vegetais ali existentes, destacando-se a seringueira, a andirobeira, as palmeiras, o ingázeiro e outros representantes da flora amazônica. Em termos de ambientes podemos identificar no local: floresta de várzea com presença de palmeiras, floresta de várzea com predominância de espécies de mangue, floresta de várzea de maré com espécies de mangue, floresta secundária aluvial de terra firme, floresta de várzea de maré com presença de muitas lianas, floresta de terra firme com cipó e floresta secundária de terra firme.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Na zona rural do entorno do Parque, residem populações tradicionais distribuídas em seis (6) Comunidades: Espírito Santo, Caruaru, Itapiapanema, Tucumandeua, Castanhal do Mari-Mari e Tabatinga . Entre as atividades desenvolvidas por estas populações, destacamos a pesca, a extração de açaí, a agricultura de subsistência, o artesanato, dentre outros.

No momento, tentando explorar de forma racional o potencial descrito acima, encontra-se em fase de desenvolvimento, na região, o projeto piloto da Rota Ecoturística das Ilhas de Belém. Este projeto é coordenado pela Empresa de Turismo do Município de Belém – BELEMTUR com o apoio técnico da Universidade Federal do Pará – UFPA, Instituto Ampliar e de outras instituições.

3, O Ecoturismo e o Desenvolvimento Local Sustentável

O Brasil, em especial a Amazônia, vem abastecendo o mundo de celulose, de látex, de ouro, de ferro e de minerais estratégicos. Neste momento, foi descoberta uma nova “mina”: o fantástico potencial ecoturístico que brota dos rios, das matas, das cavernas, da flora, da fauna, dos monumentos históricos e da cultura tradicional dos povos amazônidas. De acordo com a Organização Mundial do Turismo (OMT) o crescimento nos fluxos turísticos, verificados nas últimas décadas, indica que este tende a se transformar na atividade comercial mais importante do planeta, com um volume de transações maior que o da indústria automotiva e a do petróleo. O Ecoturismo é o segmento do Turismo que vem apresentando maior taxa de crescimento anual, cerca de 20%. È de fundamental importância  que estejamos atentos para que esta “mina”, a exemplo das demais,  não venha a ser explorada até a exaustão e abandonada deixando um enorme vazio

Neste contexto, imaginemos pequenos vilarejos localizados na zona rural da ilha do Mosqueiro entrecortada por rios, igarapés e matas, onde moram cerca de 400 pessoas. Imaginemos que é desta mata e destes rios que esta população retira os elementos necessários para suas atividades de subsistência. Imagine, agora, que este recanto de belezas naturais e cênicas passa a ser bastante freqüentado por indivíduos ávidos por contato com a natureza. Então surge a pergunta ética apresentada na Conferência sobre o Desenvolvimento e Gestão Sustentável do Ecoturismo nas Américas, realizada em agosto de 2001 na cidade de Cuiabá (MT): Em meio a tantas belezas naturais, como ficam os pequenos povoados diante desta indústria que cresce tanto, processando recursos naturais e culturais, enquanto expõe a natureza e as pequenas comunidades a tantos impactos?

Para o então presidente da EMBRATUR, Dr. Caio Luís de Carvalho, “Este é um tema que se fala muito, mas ainda não conseguimos praticá-lo com total competência. Temos que encarar o turismo ecológico dentro de dois conceitos fundamentais deste novo milênio: a ética e a estética”. Considerando que a sociedade moderna adquiriu a enorme capacidade de perturbar em larga escala os ecossistemas, e que assim o faz sem calcular de maneira formal e racionalmente o impacto causado por tal perturbação. Imaginar o ecoturismo como uma “experiência enriquecedora que  poderá contribuir para a conservação dos ecossistemas enquanto respeita a integridade cultural das comunidades locais” (PROECOTUR, 2002) constitui-se em grande desafio para todos os setores envolvidos.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

O ecoturismo não é um produto a mais no mercado tradicional, muito menos uma ramificação agregada à indústria turística. Segundo Sérgio Molina, no livro Turismo e Ecologia, trata-se de “um turismo de nova geração, regido por um conjunto de condições que superam a prática do turismo convencional de massas” e o ecoturista “não se trata do viajante que separa seu tempo livre de seu tempo de trabalho, que transforma seu tempo livre em válvula de escape para as tensões originadas em seu tempo comprometido, mas do tipo de pessoa que os integra, que, por meio das experiências em um e em outro, conforma e dá conteúdo a sua própria existência. Esses turistas estão em busca de experiências responsáveis e significativas, capazes de enriquecer sua existência”.

Em Turismo e Ecologia, Molina , ao tratar da essência do problema que dá origem à crise ecológica nos espaços de uso turístico, afirma que: “O conflito entre forças opostas e não complementares vai predeterminando, sobre bases de crescimento exponencial da população e do capital para financiar a expansão dos centros turísticos, as características das relações entre a infraestrutura de apoio ao turismo ou turística, o empreendimento, os turistas e os atrativos naturais turísticos: essas relações artificiais, com o passar do tempo, são cada vez mais difíceis de sustentar, seja do ponto de vista econômico, político, social ou da legitimidade moral, ética e estética”.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Elmar Altvater, em O Preço da Riqueza, aprofunda o esforço teórico para demonstrar a contradição essencial entre os principais elementos da produtividade capitalista e a preservação da base natural de sustentação dos recursos naturais. Altvater é categórico ao afirmar que a compatibilidade entre “...eficácia ecológica com justiça distributiva e eficiência econômica com base na alta produtividade do trabalho é impossível... O Sonho de um capitalismo ecológico produz monstruosidades”. Apesar de sua áspera e rigorosa análise, Altvater acena, de forma parcimoniosa, com duas alternativas que trazem esperança para o cenário atual: inicialmente “a transformação da conservação ambiental em um conjunto de investimentos para o capital, produzindo, assim, os postos de trabalho que se perdem nos setores tradicionais”, e em segundo lugar, “haver coerência entre o sistema econômico e o sistema social. Nesta medida, os atores microeconômicos teriam condições de agir de modo adequado às restrições econômicas sistêmicas externas dos dados do mercado, sobretudo juros e câmbio, resultando daí um sistema econômico eficiente e competitivo”.

Diante da necessidade de definir parâmetros teóricos que levem a uma saída para a humanidade, uma opção pela vida, pela ética e por um mínimo de justiça e igualdade, Domingos Leonelli, em seu livro Uma Sustentável Revolução na Floresta afirma “Os esforços se desenvolvem em duas grandes linhas que, necessariamente, deverão cruzar-se, posto que complementares: a primeira idéia é a da governança global, inevitável conseqüência das demandas e dos riscos provenientes da ciranda financeira internacional, do comprometimento do meio ambiente, do agravamento da miséria, da multiplicação de conflitos étnicos, religiosos e regionais; a segunda é o fortalecimento do poder local, das alternativas de desenvolvimento baseadas na valorização dos recursos naturais e na cultura e saber locais.”. Leonelli vai, ainda, mais longe quando afirma “Até mesmo a questão da soberania nacional, requalificada à luz da globalização, dependerá, em grande medida, do que se desenvolver no plano local”.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Ao fazer referência a um plano de desenvolvimento local, não existe a intenção de reforçar a visão de que este deve constituir-se, tão somente, em uma estratégia que posicione vantajosamente espaços socioterritoriais delimitados em face do mercado globalizado.  Sem esquecer da necessidade de desenvolver as localidades do ponto de vista econômico e as possibilidades do mercado – nos níveis local, regional, nacional e global – é necessário repensar os padrões de desenvolvimento tendo por base o local. No artigo A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de desenvolvimento, Guimarães refere-se a um novo paradigma de desenvolvimento que deve “ inserir o ser humano no centro do processo de desenvolvimento, considerar o crescimento um meio, e não um fim, proteger as oportunidades de vida das gerações atuais e futuras e, por conseguinte, respeitar a integridade dos sistemas naturais que permitem a existência de vida do planeta”. Quanto aos desafios das políticas públicas, Guimarães considera a necessidade de “ territorializar a sustentabilidade ambiental e social do desenvolvimento” reafirmando a tese do “pensar globalmente mas atuar localmente”. 

No livro Ação Local: a nova política da contemporaneidade, Augusto Franco diz que o desenvolvimento local “troca a generalidade abstrata de uma sociedade global configurada à semelhança ou como suporte do Estado (como é o caso das chamadas sociedades de massa) pelas particularidades concretas das múltiplas minorias sociais orgânicas que podem projetar... (endogenamente) futuros alternativos para a coletividade e, sobretudo, antecipar, estes futuros em experiências presentes”. No texto Porque precisamos de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável, Augusto Franco volta a abordar o tema, desta vez incorporando a idéia da sustentabilidade e concluindo que o “desenvolvimento sustentável é aquele que leva à construção de comunidades humanas sustentáveis, ou seja, comunidades que buscam atingir um padrão de organização em rede dotado de características como independência, reciclagem, parceria, flexibilidade e diversidade” onde a dimensão local é vista como uma estratégia para obter a sustentabilidade.

É nesse referencial teórico que podemos vislumbrar uma saída para os impasses apresentados, isto é, o caminho da economia local, do saber local, do poder local democratizado e articulado ao global. Neste caso, torna-se imperioso discutirmos um Plano de Desenvolvimento Local Sustentável para a Ilha de Mosqueiro, onde o Ecoturismo se apresenta como um provável vetor deste desenvolvimento. Esta discussão exige participação ampla dos atores sociais envolvidos: instituições governamentais e não governamentais, academia, associações locais, dentre outras.

4.      Experiências de Ecoturismo na Ilha de Mosqueiro.

Para a maioria das empresas que operam na região oferecendo produtos com o rótulo de ecoturismo, este se apresenta como uma oportunidade a mais para fazer negócios, que elas se aproveitam sem estar suficientemente especializadas, sem contar com pessoal treinado e, menos ainda, com estratégias apropriadas. Nessas bases, oferecem excursões de “ecoturismo” para diversos cenários naturais, utilizando um produto tradicional com uma etiqueta nova. Este vem sendo o cenário observado no desenvolvimento de produtos turísticos nas ilhas de Belém, entre elas Mosqueiro.

A UFPA, ao elaborar o Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da Zona Rural do Entorno do Parque Municipal de Mosqueiro, registrou a iniciativa de uma empresa que levava turistas nacionais e estrangeiros para conhecer a região. Durante as entrevistas feitas com moradores locais, houve um depoimento que considerava muito boa as visitas dos turistas. Quando perguntado se recebiam alguma coisa para mostrarem a região, a resposta foi negativa, como também foi negativa a resposta quanto a venda de produtos locais. Surpreso, o pesquisador quis saber então, por quê, apesar disso, considerava boa as visitas dos turistas. A resposta foi que, daquela forma, tinham a oportunidade de ver valorizado o lugar onde moram. 

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Outra iniciativa registrada, por ocasião do estudo feito pela UFPA, foi a experiência desenvolvida pela BELEMTUR denominada Trilha “Olhos D’Água”. Neste caso, a empresa municipal promovia, desde 1998, durante o mês de julho, um passeio “ecoturístico” que incluía um trecho fluvial e uma caminhada saindo da comunidade do Castanhal do Mari-Mari e indo até a comunidade do Caruaru por uma trilha de uso tradicional dos seus habitantes. Embora o serviço de transporte fluvial fosse fornecido por morador da região, no geral, as comunidades encontravam-se distanciadas do processo, tanto na formulação do produto, quanto na sua execução. A geração de renda para os moradores locais era inexpressiva.

Em abril de 2002, realizou-se no centro de Convenções do Hotel Fazenda Paraíso o “1º Colóquio sobre a Ilha do Mosqueiro”. Nesta oportunidade foram apresentados diversos trabalhos acadêmicos versando sobre vários aspectos da Ilha, dentre estes o Diagnóstico citado anteriormente. A partir deste momento, intensificaram-se as relações entre a UFPA, a BELEMTUR e a FUNVERDE, com o objetivo de reformular a experiência conhecida como Trilha “Olhos D’Água”. O principal aspecto abordado no processo de reformulação da Trilha foi a ampliação no envolvimento das comunidades tradicionais, existentes na região. O resultado foi: a inclusão de diversos atrativos, antes passados desapercebidos; a participação de morador na condição de condutor local; a demonstração de atividades tradicionais como a coleta do açaí e a pesca do camarão; as histórias típicas do imaginário local; a feira Olhos D’Água, no centro comunitário do Caruaru, onde são comercializados produtos locais; e o aproveitamento do restaurante construído por um morador, em sua propriedade, ás margens do Rio Pratiquara. Tudo isto gerando renda para as comunidades e valorizando sua cultura.

O projeto “Rota Ecoturística das Ilhas de Belém”, apresentado por diversos setores do município como prioritário para a cidade em termos de investimentos do Programa Nacional para o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal - PROECOTUR, concebe dois Circuitos em Mosqueiro. O Circuito 1 corresponde à experiência desenvolvida como piloto pela BELEMTUR e o Circuito 2 na região norte da Ilha do Mosqueiro, incluindo os monumentos históricos da “Baía do Sol”, área de preservação do Hotel Paraíso e as dez (10) ilhas do Furo das Marinhas que deverão vir a se constituir na UC denominada “Estação Ecológica do Furo das Marinhas”, berçário de quelônios e outras espécies da fauna da região.

5.      Reflexões sobre um Modelo de Ecoturismo na Ilha de Mosqueiro.

As Ilhas de Belém, em particular a do Mosqueiro, vêm sofrendo com a falta de uma ação coordenada que tenha no Desenvolvimento Sustentável uma integral política de governo e não apenas um programa fragmentado de alguns órgãos setoriais. As flutuações da demanda, provocadas pela sazonalidade do veraneio, tem deixado seus moradores inquietos e, ao mesmo tempo, perdidos na busca de uma alternativa viável para o desenvolvimento local. Descartada a hipótese de transformar a Ilha em um pólo essencialmente agrícola ou industrial, resta-nos o setor de serviços, especialmente aqueles voltados para a atividade turística.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

É inegável o enorme potencial dos atrativos naturais, históricos e culturais existente em Mosqueiro, “objetos de desejo” da atividade ecoturística, além, é claro, da vocação para o turismo de um modo geral que a Ilha construiu no último século. O desenvolvimento do turismo sustentável, em especial o ecoturismo pode vir a ser uma alternativa para o desenvolvimento local sustentável de Mosqueiro. Em primeiro lugar, é uma atividade que, pelo menos em tese, busca a valorização dos recursos naturais existentes, proporcionando a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais. Em segundo, é uma atividade que pode ser desenvolvida de forma consorciada potencializando outras atividades como a pesca, o extrativismo vegetal, o artesanato, dentre outros. Sempre é bom lembrar que as bases da economia das populações tradicionais da Amazônia está  centrada na multifunção de seus atores e na diversidade das atividades desenvolvidas. Modelos pautados na monocultura mostraram-se extremamente inadequados para a região, lição esta que dever ser levada em consideração quando da estruturação de um Sistema Ecoturístico na Ilha.

Não basta identificar uma potencialidade, é preciso tornar dinâmica esta potencialidade no nível local. Identificar o alto nível do “capital natural”, existente em Mosqueiro, não é suficiente para garantir o desenvolvimento local sustentável, a partir do ecoturismo. Para que isso aconteça é preciso a reunião de vários fatores: a capacitação das pessoas, as condições viárias e de saneamento, a vontade política das autoridades locais (legislativo, executivo e judiciário), dentre outros. Desenvolvimento não é só desenvolvimento econômico, é preciso que as pessoas tenham acesso à renda, à riqueza, ao conhecimento e principalmente ao poder. É necessário o reconhecimento de instâncias do poder local e a criação de canais de comunicação mais intensos e eficazes com lideranças locais.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

O ecoturismo é um turismo que se desenvolve em ambientes naturais buscando favorecer o conhecimento e o aprendizado de manifestações naturais, mediante certas interações de baixo impacto. Esse pressuposto deve orientar a restruturação de produtos ecoturísticos em Mosqueiro e levar em conta duas vertentes: a primeira onde é oferecida uma opção a mais ao participante do turismo de “Sol e Mar”, de “Eventos”, dentre outros, portanto, uma variante vinculada à contemplação da natureza; a segunda, mais importante, trata-se  de um modelo integral que tem lugar em espaços naturais, principalmente nos protegidos, e que são visitados por turistas com motivações específicas, relacionadas ao funcionamento de ecossistemas, em termos de atividades e temáticas ligadas ao aprendizado e desenvolvimento pessoal. A associação dos dois modelos citados acima pretende dar sustentabilidade econômica à atividade, respeitando padrões que garantam a sustentabilidade ambiental, social e cultural.

Considerando que o ecoturismo, conforme foi dito anteriormente, é um turismo de nova geração, faz-se necessário que as empresas que venham atuar na Ilha constituam-se em empresas de segunda geração. Isto é, que os integrantes dessas empresas, além de fazerem negócios, se comprometam com os desafios da preservação e com a possibilidade de oferecer uma experiência educativa aos turistas. Por outro lado, conforme afirma Molina, “um dos objetivos da sustentabilidade consiste em tornar as comunidades locais partícipes dos benefícios da atividade turística, não apenas por meio de geração de empregos por terceiros, mas também por outras vias, como a criação de micro e pequenas empresas ou cooperativas nas quais a propriedade destas e a prestação de serviços seja de habitantes da comunidade local”, isto é, o empreendedor local deve ser incentivado e acompanhado, promovendo a sobrevivência de pequenos proprietários no meio rural.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

A comparação da atividade ecoturística com a atividade mineradora exige uma reflexão quanto ao fator de “escala”. Quando o turismo é praticado em grande escala cria problemas semelhantes aos do extrativismo mineral ou vegetal quando estes tomam proporções “industriais”. Por isso, o turismo deve ser tratado como uma atividade afinada com as práticas tradicionais dos povos amazônidas, o que não significa que seja tecnicamente simples, mas que possa inserir-se nas pequenas escalas do local e da vida diária dos moradores e dos habitats regionais.

Outro aspecto primordial a ser considerado no desenvolvimento da atividade ecoturística em Mosqueiro é que, além da consolidação do Parque Municipal de Mosqueiro, incluindo a implementação de seu plano de manejo, amplie-se as áreas protegidas da Ilha. No Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da Zona Rural do Entorno do Parque Municipal de Mosqueiro, pesquisadores da UFPA registraram o interesse de políticos e comerciantes locais em ajudar na construção de ramais ligando as comunidades da região com a PA291, no entanto, o interesse real dessas pessoas é a exploração dos recursos minerais existentes. Diante desta ameaça, o Diagnóstico, em suas recomendações, formula a proposta de criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS, nos moldes previstos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Outra área que precisa ser formalizada é a Estação Ecológica do Furo das Marinhas, citada anteriormente. Desta forma, Parque, RDS e Estação Ecológica viriam a se constituir em um mosaico de UCs. conforme é previsto no Decreto 4.340, de 22/08/2002.

Do ponto de vista institucional, é necessário que seja revisto o Plano Diretor das Ilhas, hoje restrito às ilhas de Caratateua, Cotijuba e Mosqueiro e a uma visão urbanística de desenvolvimento, com a finalidade de adequá-lo aos desafios formulados nos últimos anos. A formulação do Plano Municipal de Turismo e do Sistema Municipal de Unidades de Conservação – SMUC são também ações estratégicas. A estruturação dos órgãos públicos co-responsáveis pela gestão das políticas e a melhor capacitação de seu corpo técnico são outras medidas essenciais. Entretanto, na perspectiva do desenvolvimento local, é fundamental a criação de um Conselho Gestor com ampla participação social, capaz de refletir, decidir, tomar iniciativas e assumir responsabilidades. Afinal, desenvolver implica em mudar, inclusive o eixo de poder no processo decisório. É a valorização radical do local através da democracia direta como instrumento central de organização daquilo que o discurso do desenvolvimento representativo tirou das comunidades locais.

(Foto D'Arcy Albuquerque)

Na certeza de que o tema proposto é amplo, não havendo a pretensão de exauri-lo, admite-se que ele é desafiador, pois estamos diante de um processo que exige um enorme grau de maturidade e responsabilidade para que se possa alcançar o objetivo desejado, isto é, permitir que a Mosqueiro dos Tupinambás e de “encantados” como Raquel de Queiroz renasça em seus segredos, mitos e fábulas, dando-nos o fermento do passado para alimentar o presente que muito pouco temos sabido preservar.



Referências Bibliográficas

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