Farol de Mosqueiro

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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Reflexões sobre a emancipação de Mosqueiro (I)

Por quê? Quem ganha e quem perde com a emancipação do Distrito de Mosqueiro? Mais uma vez, o debate relativo ao processo de emancipação do Distrito Administrativo do Mosqueiro vem à tona. É certo que existe um forte sentimento de insatisfação entre as pessoas que moram ou frequentam este balneário. A ausência de um plano estratégico para um desenvolvimento sustentável daquele território e a falta de uma política consequente só faz crescer este sentimento.
O debate reiniciou no momento em que o Congresso Nacional transfere para as Assembleias Legislativas Estaduais a responsabilidade pela criação de novos municípios. De um lado, aqueles que defendem a emancipação justificando que esta permitiria ao cidadão uma maior proximidade do poder decisório e seria a saída para dar à nossa querida Ilha do Mosqueiro e aos seus habitantes o tratamento necessário. Do outro lado aqueles que justificam a impossibilidade da emancipação devido a sua baixa capacidade de arrecadação, inviabilizando o financiamento dos projetos necessários para a modernização da mesma.
No interior desta discussão, dois aspectos me chamam atenção: a descentralização e a maior participação do cidadão no processo decisório. São sobre estes dois aspectos que pretendo oferecer algumas reflexões.
Todos sabem que a palavra descentralização vem sendo usada com frequência por políticos de todas as matizes e que os interesses tem sido os mais diversos. Diante da perspectiva concreta de discussão deste processo gostaria de ressaltar que, do ponto de vista teórico, o termo descentralização vem recebendo conceitos variados, portanto prefiro entendê-lo como meio e não um fim em si mesmo. O conceito está relacionado com a condição de ferramenta, isto é, um instrumento para a expansão e intensificação de uma boa governança com a implantação da Democracia Participativa, alternativa imediata para a já degastada Democracia Representativa.
Não tem sido fora do comum a superposição dos conceitos de Descentralização e Desconcentração, alguns autores chegam a enunciar que a Desconcentração é uma forma restrita de Descentralização. Para uma compreensão simplificada admitiremos que a desconcentração signifique repassar a prestação de serviços para as projeções regionais do poder central, o que não representa a transferência de poder decisório para estas unidades, enquanto que a descentralização transfere funções e poder decisório para as unidades regionais de governo. Em outras palavras podemos dizer que “(...) a desconcentração é uma forma de regionalização na qual a instância central de poder transfere parte de suas atribuições de execução de atividades para órgãos regionais, que não dispõem de poder para decidir sobre prioridades ou sobre o planejamento dos serviços (...), a descentralização implica na transferência efetiva de poder decisório para os agentes locais da administração municipal. Significa, portanto, que os órgãos regionais têm autonomia, dentro dos limites estabelecidos, para formular políticas locais, estabelecer prioridades e planejar o atendimento das demandas.” (VAZ, José Carlos, Superando o Governo Centralizado, 50 Idéias para a ação municipal: propostas em gestão municipal. São Paulo, Pólis, 1996).
A descentralização administrativa da PMB recebeu uma atenção especial no momento em que a Lei nº 7.682 de 05 de janeiro de 1994 é sancionada dispondo sobre a Regionalização Administrativa do município de Belém. Nesta ocasião, foram criados 8 Distritos e os seus respectivos territórios. No momento, cabe uma reflexão consequente da missão da unidade administrativa do Mosqueiro, também conhecida como Agência Distrital. Por estar em contato direto com as demandas, esta deveria favorecer o relacionamento do cidadão com o poder municipal instalando o já previsto Conselho Distrital e valorizando as organizações locais.  
No momento, não existem informações processadas que permitam a identificação das ações executadas dentro dos limites geográficos. A malha de serviços públicos; tais como Saúde, Educação, Saneamento, Assistência Social, dentre outros; existentes no Distrito de Mosqueiro deverá ser alvo de análise para que o processo de descentralização ou desconcentração aconteça da forma mais adequada aos interesses da população. Para tal, sugiro que, após analise de cada um destes setores, identifique-se as Ações Desconcentradas (hoje), as Ações a Desconcentrar, as Ações Descentralizadas (hoje), e as Ações a Descentralizar. De posse deste quadro poderemos enxergar o nível de descentralização necessário a ser implantado.
Devemos avaliar se, no contexto da descentralização, a emancipação de Mosqueiro oferece condições reais de interferir positivamente ou criar um obstáculo ainda maior para o cidadão, gerando grande frustração. Uma das dificuldades para a aprovação de melhores salários em alguns municípios é o fato destes ameaçarem “fechar as portas” se tiverem que pagar decentemente o seu servidor. É comum alguns municípios atrasarem o pagamento da folha de seus funcionários. Do ponto de vista orçamentário a maioria dos municípios do Pará depende fortemente dos repasses feitos pela União e pelo Governo Estadual, suas arrecadações próprias são irrisórias. Será que em Mosqueiro esta realidade seria diferente?
O segundo aspecto que pretendo me ater diz respeito às formas de participação direta da sociedade nas decisões políticas. Diante do processo de globalização, da mais radical revolução tecnológica da era moderna - a informática, a robótica, a telemática dentre outras - e de questões emergentes de novas formas de produção, cujos enunciados tradicionais do socialismo e do capitalismo não conseguem responder satisfatoriamente, os governos municipais adquirem uma nova dimensão política e estratégica para a construção de um projeto social. Vale ressaltar, que tem sido nas cidades que o processo de exclusão verificado nos últimos trinta anos tem assumido sua face mais potencialmente ameaçadora, e que, portanto, é dentro delas que o desafio se torna mais estimulante.
Todavia, a participação da sociedade civil per si na construção de projetos de desenvolvimento, acompanhamento de políticas públicas e fiscalização do uso de recursos públicos não significa que um processo de governança esteja realmente em curso. Existem vários outros fatores que influenciam na governança e na ‘boa governança’ (good governance). Boa governança ocorre quando as normas e as práticas sociais empoderam e encorajam as pessoas comuns a ter controle sobre o desenvolvimento do seu próprio espaço de ação sem, evidentemente, infringir os direitos socialmente aceitos das diversas coletividades. As experiências dos conselhos municipais e distritais no Brasil demonstram que as expectativas sobre a participação devem ser ajustadas e que sérias limitações estruturais, que continuam obscuras, precisam ser desvendadas para que a participação alcance seu efetivo potencial.
As demandas não aceitas ou não respondidas pelos governos estimularam o surgimento de novas formas de organização pública, autônomas de poder e influência, proporcionando formas alternativas de inclusão. “(...) tais organizações caracterizam-se por estar ao lado ou contra o Estado - um novo espaço público não-dependente do Estado - uma esfera pública não-estatal - auto organizada ou simplesmente organizada paralelamente ao Estado; mas que se obriga reiteradamente a remeter ao Estado, para interferir na vida pública ou sustentar seus interesses diretos.”. O governo municipal pode e deve ser palco de experimentações políticas de alcance universal, na medida em que institui os embriões de uma Democracia Participativa, cujos paradigmas começam a ganhar força em relação aos da Democracia Representativa. Trata-se de compartilhar uma nova concepção de Reforma do Estado. Se faz necessário abrir o Estado a estas organizações sociais, especialmente aquelas que são auto-organizadas pelos excluídos, dissolvendo o autoritarismo do Estado tradicional sob pressão da sociedade organizada.
É necessário romper as fronteiras que separam o Estado do cidadão. O caminho a ser trilhado deve ser orientado por decisão política transformadora que indica, assim, uma cogestão pública, estatal e não estatal, por meio da qual a legitimidade da representação é permanentemente regenerada pela democratização radical das decisões, que são “devolvidas” à comunidade em forma de políticas, ações governamentais, que conferem identidade aos participantes do processo e se ampliam na sociedade, alterando o cotidiano da cidade e interferindo na compreensão política da sua cidadania.
Diante destas reflexões, preocupa-me que a emancipação do Distrito de Mosqueiro transforme-se em um fim e não um instrumento de melhoria na qualidade de vida de seus moradores. Não será a emancipação tratada de forma irresponsável e inconsequente que irá solucionar os problemas enfrentados pelo Distrito. Se quisermos a emancipação, é necessária a elaboração de um plano estratégico que permita a visualização de todas as etapas que deveremos seguir para alcançarmos o que realmente queremos – o bem estar de seus moradores e visitantes. Se a atual e as últimas administrações não respondem satisfatoriamente aos nossos anseios, não podemos nos deixar seduzir pelos interesses ocultos daqueles que estão de olho somente nos novos cargos administrativos - prefeito, assessor, secretários, vereadores - que surgirão com a emancipação. 

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