Farol de Mosqueiro

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sexta-feira, 10 de abril de 2015

Encantos e Encantamentos em uma Ilha do Rio Mar – Capítulo II



Esta obra é de autoria de Amaury Dantas e Eduardo Brandão
 com ilustrações de D'Arcy Albuquerque e Felipe Dias.


Ponta do Mosqueiro: do poder da fé ao poder caboclo


Os missionários religiosos no Pará enfronharam-se em todas as aldeias e, fundamentados no poder da fé e também do conhecimento, estimularam a exploração econômica dos produtos regionais como a madeira, as pedras preciosas, o cacau, a farinha de mandioca, e em especial a copaíba, a salsa, o cravo, a canela, as frutas tropicais, enfim, as drogas do sertão que faziam enorme sucesso na Europa.




Porém, mais grave que a exploração comercial foi a enxurrada deformadora de hábitos e princípios, uma vez que os índios tiveram os seus costumes violados e sua língua oprimida em franco processo de aculturação onde o dominador sempre vence.

Singrando os furos e os igarapés que cortam a Ilha de Mosqueiro as canoas com remeiros partiam com ervas, as frutas e a madeira. Da terra usurpavam as riquezas e dos índios, pior, tentavam levar sua identidade cultural enquanto povo e nação.




Quando o Marquês de Pombal, poderoso ministro imperial, percebeu que os padres instalados no Pará tinham extrapolado de suas tarefas espirituais e, com desenvoltura exerciam o poder temporal sobre a terra e os índios, passando a constituir um Estado dentro do próprio estado português, e que isso era uma grave ameaça política, resolveu tomar algumas providências:

       Expulsou os jesuítas,
      proibiu a escravidão dos índios;
      estimulou a vinda de negros de Angola e Guiné,
      preconizando a exploração do negro africano.



Dizem que os herdeiros de um certo Tomaz da Baía do Sol receberam muitos desses negros para cuidar dos afazeres de seus Sítios.

A residência da família Travassos, construída em frente à praia do Paraíso, e o Sítio Conceição, construído pelo capitão da Guarda Imperial Leocádio José da Silva junto com sua esposa Maria do Carmo Silva, contaram por muito tempo com a mão de obra dos negros trazidos da África.




Com o final da escravatura, alguns negros continuaram trabalhando  nestas propriedades. Dizem que, impossibilitados de voltar, encontraram na Ilha os encantamentos da sua terra natal.

No Areião a lua é altaneira e o rio faz preamar. Sob a cantoria dos grilos e dos sapos os homens desembarcam de suas canoas, Alguns chegam mortos, outros bastante feridos. A areia branca da praia recebe o sangue de bravos guerreiros e torna-se amarelada. A nobreza da resistência transforma a areia branca em dourada. Nunca mais areia será a mesma.




Os caboclos moravam em casa de taipa coberta de palha, conhecidas como cabanas, talvez uma mistura das ocas indígenas com as casas dos portugueses. As cabanas predominavam nas vilas e freguesias mais modestas.



Seus habitantes, os cabanos, insatisfeitos com os desmandos do presidente da Província, invadiram Belém e tomaram o poder. Governaram durante um ano mas foram reprimidos pelos legalistas com ajuda de mercenários estrangeiros. 

Perseguidos, os cabanos escondem-se no Acará, na Vigia, um grupo refugia-se na Vila do Mosqueiro e lá organiza uma resistência. Sabendo disso, os legalistas mandaram de Tatuoca e Cotijuba soldados e artilharia. Entrincheirados na praia do Chapéu Virado os cabanos os receberam com intensa fuzilaria. E o ar encheu-se de enxofre e de pólvora.




“Realmente a luta foi desigual. Eles sabiam que de homem para homem  estavam perdidos, mas os nossos cabanos combateram bravamente com honra e dignidade”, disse a Iara, externando um sentimento que misturava pesar e orgulho.

“É, eles se aproveitaram que eu estava ocupada protegendo a fuga do líder Eduardo Angelim para atacar os nossos amigos no Mosqueiro. Se soubesse que aqueles canhões soltavam fogo pela boca que nem as fuças do Boitatá, eu os teria aniquilado.”




“Esses covardes se autodenominaram legalistas por se acharem do lado da lei. Mas se a lei são eles que fazem! Ora! Eles são a lei. Um dia isso tem que mudar...” Esbravejou a Boiúna.

“Êpa! Êpa! Êêêêpa! Óia eu chegando, cansada de tanto voar.”

Era a Mati chegando com as penas arrepiadas e respiração ofegante.




“E aí minha mana? Aonde será que tu estavas metida?”, perguntou o Boto.

“Tava no ar, meu mano. Ajudando os cabanos a escapar: uns foram pelo rio Pratiquara, para lá do Caruaru; outros no Sítio Espírito Santo; e mais aqueles para ilha de São Pedro”, respondeu a Mati.

Virando-se novamente para todos, o Boto perguntou:




“Ih! Vocês já sabem que a Mati mudou de nome?”

“Ora, mas que novidade!”, exclamou Iara. “E agora, como se chama?”

“Me chamo agora Matinta Pereira”, respondeu a Mati com certo ar de superioridade.
 
“Eu hein!! Axi xiri! Daqui a pouco vai ser Matinta Pereira Albuquerque Brandão Dantas Dias da Silva”, disse o Boto, dando uma gargalhada tão forte que o seu chapéu beirado, isto é com beira, acabou caindo emborcado expondo o orifício que traz na cabeça.




Chapéu birado, feito pelos artesãos da praia,
chapéu que cai da cabeça deixando o Boto espantado; 
chapéu que cai emborcado e descansa na areia da praia,
que por conta do Boto descuidado,
virou praia do Chapéu Virado.



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